O tema que tem permeado a minha semana não é novo. Tem tempos que fico amassando barro em terapia batendo nessa difícil tarefa que é enxergar, aceitar e integrar (senhor) as nossas sombras, as nossas partes difíceis ou, sejamos sinceros, as coisas ruins que também somos/temos ou carregamos.
Esse exercício de se enxergar de forma límpida no espelho é simplesmente uma das coisas mais difíceis que eu já vivi. Eu queria dizer que os traumas me tomaram muito e ser vítima dos meus momentos, mas eventualmente chega aquele dia que a vida te olha nos olhos e te faz um convite.
Num papel simples, ela te pede: “Saia desse lugar, venha comigo. Eu tenho muitas coisas pra te mostrar”.
Você se move… você se senta. Seu corpo esquenta, treme, se mexe, paralisa. Você encosta a cabeça na parede e chora. Mas aos poucos todo aquele misturado dentro de você se torna uma bolha, uma nuvem de emoções, sentimentos e vivências. A bolha desaparece e você ascende.
Você sobe, e você se integra à imensidão do universo. Isso é meditação - crua. Você se vê cara a cara com o criador e a criação, o começo e o fim, as perguntas e as respostas, mas você sente de maneira inabalável que na certeza do existir há, sim, um caminho até a paz da inteligência divina.
E com toda clareza eu entendo: eu sou filha e mãe das minhas sombras. Se existe luz, existe sombra. E é por isso que as coisas ficam tão claras quando elas estão totalmente embaixo do sol, porque ele mostra todas as cores e as facetas da vida simplesmente por brilhar acima dela.
Mas é uma luta muito difícil. Um dia meditando eu percebi que, claramente, qualquer coisa que seja que vem acontecendo nessa pandemia louca eclodiu uma briga dentro de mim, da sombra com a luz. A luz querendo clarear as coisas e a sombra não querendo aparecer. Se ela permanece escondida, sobrevive mais tempo. E o ego… ah, o ego. Como o ego quer que a gente esteja certo o tempo inteiro. É incrível.
Daí o ego faz um trato com a sombra: “eu te escondo, mas, se eu precisar de você, você aparece e faz o serviço por mim, sem que eu me sinta responsável.”
É uma ruptura muito bruta e não teria como não ser. Não sei nem se é possível romper com esse laço nessa vida, mas o convite para que comecemos a olhar para nós mesmos nunca foi tão forte.
Isso não significa que a gente precisa sair por aí lendo todos os livros possíveis, meditando o dia todo, praticando o estar presente, ou se escondendo num retiro do silêncio, numa espécie de maratona da ascenção espiritual.
Não tem muita necessidade porque no próprio exercício do viver já somos confrontados com as pessoas e as situações que precisamos para crescer dentro daquilo que é necessário.
Podia ser mais fácil, né?
Mas é todo dia mesmo se exercitar pra acreditar no milagre da vida, mesmo nos momentos que parecer impossível.