Alegria e Lamento

Bia
3 min readApr 20, 2021

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“Não está simples” é a frase que eu mais tenho dito nos últimos dias. É tanta coisa acontecendo que a gente já não sabe mais para onde apontar esse sentimento tão grande de descontentamento e tristeza que temos vivido. Porém, a revolta acaba se desfazendo… não tem como. Nesse momento, me revoltar é me destruir aos pouquinhos. É acabar com aquilo de bom que ainda existe em mim, o combustível que eu tenho para continuar. E, por isso, eu não permaneço imóvel, minhas esperanças de um mundo melhor se mantém. E você pode me perguntar: como, Bia?

Tudo tem seu lugar. Eu tenho olhado a história da humanidade, pesquisado e assistido vídeos, relatos… é uma responsabilidade imensa para uma geração inteira carregar, uma doença que te obriga mudar tudo aquilo que até então você tinha por certo. Mas nós estamos fazendo o que precisamos, cada um no seu nível de necessidade, dando a humanidade a chance de restaurar diversos erros e dores que sim, nós mesmos, eu e você, cometemos no passado.

Vivi a ilusão de que não entendia do que tudo isso se tratava, mas no fundo da nossa alma sabemos muito bem. Eu vou mentir se eu disser que tem sido fácil, que o choro não fica fácil quando eu penso nas famílias perdendo seus entes queridos, quando penso quantas coisas poderiam ser evitadas.

E frente a uma situação que tem exigido tanto e demonstrado tanto as nossas vulnerabilidades, eu tenho me perguntado muito: o que eu venho gestando nos últimos 10 anos? Nesse anseio de saber a resposta, fiquei pensando se 5 anos atrás eu soubesse como a vida estaria hoje, teria eu lutado tanto quanto lutei pra me descobrir mais? Aumentar minhas possibilidades? Estudar, conhecer, escrever, abrir a caixa de pandora? Ou eu simplesmente me daria por vencida?

Tem um cachorro na casa do vizinho que late desesperadamente a partir das nove da noite, é insuportável. E meu exercício de meditação tem sido uma meta extremamente simples: esse latido vai ficar do lado de fora de mim. É inútil ter raiva, a não ser que eu decida fazer algo a respeito, o que muda toda a história.

Sentimentos desnecessários são aqueles que deixamos passar, pois não dizem nada daquilo que gostaríamos de aprender. Sentimentos tristes são aqueles que acolhemos com cuidado, mas também deixamos ir, sabendo que no vai e vem da vida, não compensa se agarrar a nada. E nos pequenos momentos de alegria que surgem em épocas assim, sorrimos. Também não nos agarramos, é preciso aprender a soltar.

“Alegria alimento,
tempero do tempo.
- Daniela Mercury

Recentemente eu revi a palestra da Brenè Brown no netflix, e ela diz algo muito interessante, vai mais ou menos assim: “se você não estiver aqui, na arena, lutando comigo, se você estiver apenas assistindo e apontando meus erros, eu não levo você em consideração. Se você estiver aqui dando a cara a tapa junto comigo, aí sim, podemos nos olhar de frente.”

Tantas pessoas pegam a pipoca pra esperar nossos erros. E nutrimos esse medo bizarro de errar. “Foi o erro que pois o mundo em marcha”, diz o Paulo Coelho. Muitas pessoas virariam a cara pra quem escreveu essa frase, mas não dá pra admitir que ela seja errônea. Foi no erro que nos aperfeiçoamos naquilo que precisávamos realizar. E é errando que construímos o nosso mundo. Deixe as pessoas errarem, não se desestabilize com o tamanho do erro dos outros, muito menos. Faça o seu. Faça o seu chamado.

E aguarde com pelo menos um pouquinho de fé o amanhecer. Tempos estranhos ainda virão, tranquilamente eu digo que tempos “piores” ainda virão. A lição é simples e clara, e repetida todas as vezes que não é compreendida. E quanto mais velhos ficamos, mais a vida exige maturidade e entendimento.

Felizmente ou infelizmente, fazemos parte de uma comunidade (parece que tem muita gente que não se tocou disso ainda), e até que esse grupo de pessoas se torne, de fato, uma comunidade, vamos ter muito chão pra percorrer. Os que já entendem, se pedirem, serão protegidos e cuidados pelo maior, e aos poucos vão recebendo e reencontrando a inteligência suprema ainda em vida, se mantendo em pé.

Permaneço dizendo, por mais estranho que pareça em um momento de tanta revolta: cada ser humano é um milagre.

Tudo que move é sagrado: alegria e lamento.

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